Especialistas alertam sobre o
risco de a Internet levar ao isolamento e à solidão. Normalmente, eu sou
simpático a esses rabugentos que rompem com a unanimidade bovina, afinal nem a
canja de galinha é livre de riscos. Nesse caso, porém, penso que os pessimistas
têm sua migalha de razão, mas não é a Internet que vai tornar as pessoas mais
solitárias, pelo contrário ela nos oferece recursos para nos comunicarmos mais
e melhor. Numa época em que o Rio de Janeiro era uma metrópole nascente Carlos
Drummond de Andrade já tinha escrito:
Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Drummond, que cresceu em uma
fazenda de Minas conhecia a solidão do campo e da cidade e nos contou sua
experiência em maravilhosa prosa e verso. Seus livros eram seu meio de
comunicação. O problema é anterior à Internet, portanto. O isolamento nos ronda
não é de hoje e a Internet é apenas um artefato tecnológico a mais em nossas
vidas, que pode ser utilizado para aproximar ou afastar dependendo da direção
que escolhemos.
Vamos falar em tipos de
isolamento. Tem o isolamento do matuto que vive lá nos rincões e precisa andar
quilômetros antes de ver outro vivente. Para esse, a Internet traz notícias do
mundo. Tem a solidão de quem precisa de canais para se expressar. Para esses, a
Internet dispõe de recursos como os blogs que permitem a este que vos fala dar
seus pitacos públicos sobre as coisas mundanas. Tem a solidão mais grave que é
de duas vias: a falta de ouvir e ser ouvido. Para amenizar essa solidão a
Internet também tem seus remédios. As redes sociais são a área que mais cresce
no mundo digital. Tudo bem, a Internet não propicia o olho no olho direto e sem
filtros tecnológicos, mas pelo MSN dá para falar com voz e vídeo com quem está longe
e isso tem seu valor.
Sim, a Internet pode levar alguns
ao isolamento e à solidão. Passar o dia com fone de ouvido escutando o mp3
player também. Ficar de pijama deitado no sofá zapeando na TV igualmente. Ler
compulsivamente idem. Enfim, não é a Internet, essa nova mídia, que nos aliena.
Somos nós mesmos que nos servimos das mídias para nos afastarmos do outro.
Raquel Recuero é graduada em
Jornalismo, pela UCPel, e em Direito, pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel). Dedicada a pesquisas sobre redes sociais e comunidades virtuais na
internet, conversação e fluxos de informação e capital social no ciberespaço e
jornalismo digital, cursou mestrado e doutorado em Comunicação e Informação, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora e
pesquisadora dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e do Programa
de Pós-Graduação em Letras, com concentração em Linguística Aplicada, da UCPel.Luiz
Guilherme de Carvalho Antunes, conhecido como Luli Radfahrer, é graduado em
Tecnologia em Processamento de dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Também é graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo,
onde cursou o mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação. Nesta mesma
universidade, é professor e realiza uma pesquisa em torno do tema Comunicação
Digital e Redes Interativas. Entre suas obras, destacamos O Fim da Idade Mídia
(São Paulo: ed. São Paulo, 2009).
Confira a entrevista a seguir.
Em seu ponto de vista, quais são as tecnologias que revolucionaram o
mundo? A computação em nuvem estaria entre elas? Por quê?
Luli Radfharer: Há várias
tecnologias que revolucionaram o mundo, desde o fogo e a roda. Se nos
concentrarmos apenas em tecnologias de interação social, poderemos dizer que
tudo o que amplie a expressão, a percepção e a comunicação tem potencial. A
computação em nuvem é uma dessas tecnologias. Ao remover a ideia de
armazenamento local de dados, ela promove a colaboração ao mesmo tempo que
concentra o processamento e as bases de dados nas mãos de poucos. É ao mesmo
tempo libertadora e escravizante.
Raquel Recuero: Eu acho dificil
apontar, porque, do meu ponto de vista, toda a tecnologia revoluciona o mundo.
Mas tem coisas que historicamente demarcaram época, como a “invenção” da
escrita, a popularização da imprensa e dos tipos móveis e, agora, da internet,
que, para mim, são tecnologias absolutamente revolucionárias porque ampliaram
os espaços de circulação de informações, permitindo grandes saltos de
desenvolvimento do conhecimento.
Sob quais aspectos essas tecnologias são revolucionárias e ainda
prometem mudar mais ainda a vida do sujeito contemporâneo?
Raquel Recuero: Elas já mudaram a
vida do sujeito contemporâneo. Nossa realidade só é como é porque foi
construída através desses passos históricos. A internet é a que vem mudando
mais essa experiência, principalmente por causa da aceleração da difusão de
informações.
Quais foram os impactos da mobilidade na sociabilidade e interação
entre as pessoas?
Raquel Recuero: Como tecnologias
da mobilidade, imagino que você se refira aos celulares e artefatos similares,
correto? Bem, eu não gosto muito do termo “mobilidade”, porque dá a impressão
que as tecnologias de comunicação eram “paradas” antes. O suporte da informação
sempre circulou; vide os livros. Os livros já eram tecnologias “móveis”. Mas de
um modo geral, tecnologias como celulares, smartphones, etc., proporcionaram
uma maior inserção no universo da chamada Sociedade da Informação. Agora
estamos permanentemente conectados, recebendo e enviando informações. Isso
contribui ainda mais para o caos informacional contemporâneo, amplificando a
necessidade de filtros sociais. Nossas redes sociais, hoje, atuam muito mais
como filtros das informações, e sua importância nesse sentido cresce. Por isso,
tendemos a selecionar e ativar canais com fins diferentes nos diferentes sítios
de redes sociais, dividindo-os de acordo com as funções das redes ali
representadas.
Como essas tecnologias reconfiguram as relações interpessoais e com a
técnica em si?
Luli Radfharer: A técnica muda
primeiro. A novidade precisa ser estável e bem conhecida para se popularizar.
As relações vão mudando aos poucos. Começam híbridas, misturando tecnologias
conhecidas com as novas até que firmam o pé e saltam de vez para a novidade –
agora já bem conhecida.
De que forma a interconexão da internet irá transformar a forma como ela
vem sendo usada atualmente?
Luli Radfharer: Acredito que a
próxima grande transformação será a das ferramentas inteligentes, a tal
internet das coisas. Depois dela deverá vir o momento em que todos poderão
construir suas máquinas, da mesma forma como hoje publicamos sítios. Depois
disso, nano e biotecnologia farão a diferença.
O que explica a postura de idolatria, euforia e inclusive de
ingenuidade de algumas pessoas em relação às tecnologias e sobretudo à
internet, por exemplo?
Luli Radfharer: Quando comparada
com as tecnologias que a precederam, a internet é imensa e tem um gigantesco
potencial. É natural que cause fascínio. Mas isso é perigoso porque nem tudo o
que é novo é necessariamente bom. Sem espírito crítico não há como avaliar o
tamanho e a importância de cada novidade.
Vivemos um momento de enxurrada de informações. Contudo, isso não
significa que podemos falar em comunicação. Além disso, contatos não significam
comunicação. Há sentido nas afirmações que mencionam a internet como reduto de
pessoas cada vez mais solitárias e individualistas?
Luli Radfharer: Não se pode
generalizar. Há um potencial, mas esse isolamento é mais derivado do estilo de
vida contemporâneo do que do mundo digital.
As redes sociais promovem uma ilusão de contato? Por quê?
Luli Radfharer: Ilusão nada. O
contato é bem real, com todas as vantagens e riscos de qualquer outro contato.
Só é menos intenso.
Pode-se falar em um paradoxal aumento de contato entre pessoas mas,
também, de isolamento por trás das plataformas tecnológicas? Por quê?
Raquel Recuero: Sempre me perguntam
isso. E eu sempre respondo o mesmo: não. Os sítios de redes sociais e as
ferramentas de comunicação amplificam as possibilidades de comunicação, mas não
as substituem. Eu ter 400 amigos no Orkut não quer dizer nada além do fato de
ter 400 conexões informativas. Essas conexões permitem que eu mantenha contato
com pessoas que, habitualmente, eu não manteria. Permitem que eu saiba delas e
as possa informar. Há vários trabalhos mostrando que o principal papel desses
sítios tem sido manter conexões, não criar novas. Ao mesmo tempo, observa-se
que essas tecnologias criam novos espaços sociais, permitindo, por exemplo, que
eu tenha um espaço de permanente contato – assíncrono – com meus amigos. Há
casos de maior isolamento? Com certeza. Mas não sei se podemos dizer que esses
casos não existiriam caso não estivéssemos inseridos no contexto em que
estamos.
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